No dia 1º de maio entrou em vigor a Medida Provisória (MP) nº 1.171/2023, que dispõe sobre a tributação da renda auferida por pessoas físicas (IRPF) residentes no Brasil em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior.
A partir de 1º de janeiro de 2024, os rendimentos oriundos dessas três fontes no exterior (aplicações financeiras, entidades controladas e trusts) sofrerão a incidência do IRPF à alíquota de 15%, na faixa entre R$ 6.000,00 e R$ 50.000,00, e de 22,5%, sobre a parcela anual que ultrapassar os R$ 50.000,00. A faixa até R$ 6.000,00 é isenta do imposto.
A MP considera como aplicações financeiras, entre outros: depósitos bancários, certificados de depósitos, cotas de fundos de investimento, com exceção daqueles tratados como entidades controladas no exterior, instrumentos financeiros, apólices de seguro, certificados de investimento ou operações de capitalização, depósitos em cartões de crédito, fundos de aposentadoria ou pensão, títulos de renda fixa e de renda variável, derivativos e participações societárias, com exceção daquelas tratadas como entidades controladas no exterior.
Já os rendimentos de aplicações financeiras, exemplificados pela MP, são os seguintes: variação cambial da moeda estrangeira frente à moeda nacional, juros, prêmios, comissões, ágio, deságio, participações nos lucros, dividendos e ganhos em negociações no mercado secundário, incluindo ganhos na venda de ações das entidades não controladas em bolsa de valores no exterior.
Os rendimentos serão computados na Declaração de Ajuste Anual relativa ao período de apuração em que forem efetivamente percebidos pela pessoa física, no resgate, na amortização, na alienação, no vencimento ou na liquidação das aplicações financeiras.
A MP dá uma ampla definição às entidades controladas, que abrangem tanto as sociedades quanto as demais entidades, personificadas ou não, incluindo fundos de investimento e fundações.
Ademais, a pessoa física deve deter o poder de controle sobre a entidade (por preponderância nas deliberações sociais ou poder de eleger ou destituir a maioria dos seus administradores) ou possuir, direta ou indiretamente, isoladamente ou em conjunto com pessoas vinculadas, mais de 50% de participação no capital social.
O § 4º do art. 4º da MP estabelece que se sujeitam à tributação em 31 de dezembro de cada ano as entidades controladas que: (i) estejam localizadas em país ou dependência com tributação favorecida ou sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiado, listados na Instrução Normativa RFB nº 1.037/2010; ou (ii) apurem renda ativa própria inferior a 80% da renda total.
Por outro lado, os lucros das demais entidades controladas, que não se enquadrarem nas hipóteses anteriores, serão tributados no momento da efetiva disponibilização para a pessoa física residente no Brasil. Para este fim, os lucros serão considerados efetivamente disponibilizados para a pessoa física residente no Brasil no pagamento, no crédito, na entrega, no emprego ou na remessa dos lucros, o que ocorrer primeiro; ou em quaisquer operações de crédito realizadas com a pessoa física, ou com pessoa a ela vinculada.
Inicialmente, é importante conceituar o trust como uma figura por meio da qual se cria uma relação jurídica – inter vivos ou mortis causa – entre o settlor (criador e proprietário dos bens e direitos objeto do trust) e o trustee (pessoa incumbida de administrar o patrimônio objeto do trust) para que este administre, nos termos delimitados no instrumento do trust (ou trust deed), os bens e direitos do settlor em prol de beneficiários. Todos esses elementos do trust foram conceituados no art. 9º da MP.
Assim, o que ocorre é que o settlor transfere formalmente a propriedade de bens e direitos para o trustee, que terá a obrigação de controlá-los e administrá-los em favor de beneficiários. Como se pode notar, a transferência da propriedade do settlor para o trustee, ao lado da declaração de vontade do settlor, é condição essencial para a constituição do trust, ainda que isso ocorra de modo peculiar.
Não obstante o patrimônio do settlor seja formalmente transferido, constitui um conjunto destacado e autônomo do patrimônio do trustee, não respondendo pelas dívidas pessoais do trustee e nem podendo por ele ser utilizado para finalidades diferentes das previstas no instrumento de criação do trust.
O regime jurídico do trust – e, mais especificamente, a tributação do trust -no Brasil é, ainda, um assunto incipiente tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Até a publicação desta MP, não havia qualquer regulamentação, tanto do seu regime quanto da tributação das operações envolvidas.
Com efeito, a única manifestação da Receita Federal quanto à tributação de trusts se deu na Solução de Consulta Cosit nº 41, de 31 de março de 2020. Na oportunidade, a Receita concluiu que rendimentos recebidos de fonte localizada no exterior (o trust)pelos beneficiários situados no Brasil é fato gerador do imposto sobre a renda. Como a Receita somente pode responder questionamento sobre tributos federais, não conseguiu analisar se há incidência de ITCMD no recebimento de valores do exterior.
Mais recentemente, em 31 de março deste ano, a SEFAZ de São Paulo emitiu a Resposta à Consulta nº 25.343, em que manifestou o entendimento de que o ITCMD deve ser exigido já na transferência de ativos do instituidor do trust (settlor) ao administrador (trustee), pois, na visão do órgão fazendário, “no momento em que é indicado pelo settlor, o beneficiário passa a ser titular de direitos sobre o trust, se tornando donatário das vantagens definidas no trust.”
Ademais, há dois projetos em tramitação no Congresso Nacional: o Projeto de Lei nº 4.758/2020, que trata apenas dos efeitos patrimoniais do trust, sem dispor sobre a tributação da operação, e o Projeto de Lei Complementar nº 145/2022, que, esse sim, prevê a tributação por ITCMD no momento em que um beneficiário potencial adquire direito incondicional e imediato sobre qualquer parcela de ativos sob o trust, e do imposto sobre a renda, que incidirá na transferência de bens e direitos do settlor para o trustee, se for efetuada a valor de mercador e o valor for maior do que o constante na declaração de bens e direitos.
Apesar dos projetos de lei, o governo federal, visando compensar a perda de arrecadação promovida com o aumento da faixa de isenção do IRPF, instituiu a cobrança do imposto de renda sobre os rendimentos e ganhos de capital relativos aos bens e direitos objeto do trust a partir de 1º de janeiro de 2024.
Ocorre que a MP, no art. 7º, define que os bens e direitos objeto de trust no exterior serão considerados como “permanecendo sob titularidade do instituidor após a instituição do trust”. Porém, como observado acima, os bens e direitos objeto de trust (pelo menos os do tipo irrevogável), conforme a melhor doutrina, constituem patrimônio separado e autônomo tanto do trustee quanto do settlor. Alguns argumentam que seria dividido entre beneficiário e trustee, mas nunca, sendo irrevogável, pertencente ao settlor. A MP, portanto, amplia o campo de incidência do IRPF para além da natureza jurídica própria desta figura, o que poderá ser questionado judicialmente pelos contribuintes.
Assim, a MP reconhece a tributação de rendimentos e ganhos de capital oriundos de trust no exterior a depender de quem é o titular dos bens e direitos no momento da em que auferidos os rendimentos: serão considerados auferidos pelo settlor até que haja distribuição dos bens e direitos aos beneficiários, momento a partir do qual será considerada transmissão a título gratuito por doação ou causa mortis. A MP também estabelece que, caso o trust detenha uma controlada no exterior, esta será considerada como detida diretamente pelo titular dos bens e direitos objeto do trust, aplicando-se as regras de tributação de investimentos em controladas no exterior dispostas na própria MP.
Portanto, a nova MP amplia o campo de incidência do IRPF, devendo ser observada com cautela por aquelas pessoas físicas que tenham aplicações financeiras, empresas e trusts no exterior, que, muitas vezes, são feitas como parte de planejamentos sucessórios, societários e tributários.
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