Jabutis da reforma tributária: o que são?
Quando se fala em “jabuti” no universo legislativo, trata-se da inclusão de dispositivos em projetos de lei que não guardam relação direta com o tema central. Na Reforma Tributária, cujo objetivo principal é a simplificação do sistema e a substituição de tributos sobre o consumo por dois novos impostos — o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) — esses jabutis aparecem como concessões políticas. Muitos deles tentam atender interesses legítimos, mas acabam criando buracos na lógica da neutralidade, da ampla base de incidência e da não cumulatividade.
Depois de passar pela Câmara, o texto chegou ao Senado com mais de 1.200 propostas de mudanças. Entre os jabutis da reforma tributária tentados estavam a ampliação da imunidade tributária de templos religiosos (incluindo organizações assistenciais), a volta do PERSE, o compartilhamento obrigatório de dados sigilosos do Ministério da Fazenda com o Senado, e a criação de competência estadual para tributar produtos primários e semielaborados até 2043.
Neste artigo, reunimos os principais jabutis identificados, detalhando o contexto, seus impactos e quem se beneficia com eles.
Entendendo melhor o que é um jabuti
O termo ficou popular graças a uma frase atribuída a Ulysses Guimarães, ex-presidente da Câmara dos Deputados: “Jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente.” Ou seja, se um dispositivo estranho ao tema aparece em uma proposta, alguém o coloca ali por interesse próprio.
Em medidas provisórias, por exemplo, a estratégia é recorrente: como essas propostas têm prazos rígidos para votação, “jabutis” são inseridos sabendo que o tempo para análise é curto, o que aumenta as chances de aprovação.
Em essência, o jabuti se caracteriza por não ter relação direta com o tema central da proposta legislativa. Algumas perguntas ajudam a identificar um jabuti:
- O dispositivo tem conexão temática com o objetivo central da proposta?
- Ele poderia ser tratado em um projeto de lei específico, à parte?
- Atende a um grupo específico?
Veículos elétricos e o jabuti da Reforma Tributária que contraria a agenda verde
A nova estrutura tributária prevê a aplicação de um Imposto Seletivo sobre bens considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. No entanto, veículos elétricos — que em tese deveriam ser incentivados — não foram isentos da incidência desse imposto.
Estima-se que a carga tributária possa subir de 30% para até 34%, contrariando políticas ambientais e afastando investimentos no setor de mobilidade sustentável. O que poderia ser uma sinalização de modernização ambiental acaba se tornando um entrave à adoção de tecnologias limpas.
Split Payment: um jabuti operacional
O sistema de split payment determina que, no momento da compra, o valor dos tributos seja automaticamente direcionado ao Fisco, separando-o do valor repassado ao fornecedor. Isso reduz o risco de sonegação, mas também altera o fluxo de caixa das empresas, exigindo também adequações tecnológicas. Embora a medida traga benefícios para a arrecadação, sua implantação demandará ampla adaptação dos contribuintes.
O excesso de exceções: alguns dos jabutis que determinam exceções na reforma tributária
Apesar do discurso de unificação e alíquota única, a Reforma Tributária foi permeada por exceções. Foram criadas reduções de 60% na alíquota para serviços de saúde, educação e transporte coletivo; reduções de 30% para atividades realizadas por profissionais autônomos, como médicos, advogados e engenheiros; e isenções totais para o transporte coletivo urbano, bolsas do Prouni, zonas de reabilitação urbana, produtores rurais de pequeno porte e instituições de ciência e tecnologia sem fins lucrativos.
Essas exceções comprometeram a promessa de um sistema simples e uniforme. Para compensar essas reduções, a alíquota padrão do IBS e da CBS tende a ser mais elevada, o que afeta os setores que não receberam tratamento especial. O resultado é um sistema que mantém a complexidade que a reforma pretendia eliminar.
Créditos para reciclagem e resíduos sólidos
Este dispositivo cria créditos presumidos para aquisições de resíduos recicláveis. Embora esteja alinhado com a pauta da sustentabilidade, insere uma política ambiental em um sistema de tributação sobre o consumo que deveria ser neutro.
Revenda de bens e economia circular na Reforma Tributária
Para estimular a revenda de produtos usados, a lei prevê a concessão de créditos presumidos para empresas que comprarem bens móveis usados de pessoas físicas. A medida busca incentivar a economia circular e formalizar esse mercado, mas introduz mais uma camada de exceção, dificultando a harmonização do sistema. Trata-se de uma política pública legítima, mas que escapa do princípio de neutralidade fiscal.
Transportador autônomo de carga: um jabuti setorial
Esse artigo cria um regime específico de crédito presumido para transportadores autônomos. A justificativa é reconhecer as particularidades do setor, que opera de forma pulverizada e sem grande estrutura. No entanto, ao criar um tratamento diferenciado, fere o princípio de uniformidade da tributação sobre o consumo e adiciona uma nova regra que pode gerar desequilíbrio concorrencial em relação a transportadoras de maior porte.
Pequeno produtor e o jabuti rural da Reforma Tributária
Produtores rurais — pessoas físicas ou jurídicas — com receita anual de até R$ 3,6 milhões terão um regime especial, com isenção do IBS e da CBS, além de regras específicas para a geração de crédito tributário. O modelo busca preservar a atividade agrícola de menor porte, mas cria um regime paralelo que aumenta a complexidade e gera diferenciação de tratamento entre agentes econômicos.
Simples Nacional: o jabuti da Reforma Tributária que mantém as regras atuais
O Simples Nacional segue com suas regras atuais, sem integração direta ao novo sistema do IBS e da CBS. Isso significa que, embora seja mantida sua carga tributária própria, as empresas optantes não gerarão créditos para as etapas seguintes da cadeia produtiva.
Na prática, empresas do Simples permanecem isoladas da lógica de crédito e débito dos novos tributos, gerando distorções na cadeia de valor.
Essa manutenção reforça a cumulatividade dentro de um modelo que deveria justamente eliminá-la, e pode criar distorções na competitividade entre empresas de diferentes portes. Embora proteja micro e pequenos empreendedores, mantêm uma desconexão estrutural entre regimes, o que fragiliza a eficiência da cadeia produtiva.
Inclusão de programa de Cashback e programas de cidadania fiscal
A reforma inclui um programa de devolução parcial de tributos — o cashback — voltado para famílias de baixa renda. O valor será proporcional ao consumo de bens essenciais, como alimentos e medicamentos. Também foram criados incentivos como sorteios para consumidores que solicitarem nota fiscal. Embora socialmente interessante, a execução dependerá de alta capacidade tecnológica, além de elevar a complexidade de apuração e devolução de tributos.
Comitê Gestor do IBS
Responsável por gerenciar o IBS, o comitê será composto por 54 representantes: 27 de estados e Distrito Federal e 27 de municípios. Terá atribuições como fiscalização, interpretação de normas e gestão do crédito tributário.
Apesar de necessário para a operacionalização do novo tributo, o comitê impõe uma governança complexa, ainda pendente de definições claras sobre funcionamento, financiamento e composição. A criação dessa instância também acende alertas sobre a morosidade decisória e possíveis disputas federativas.
Tributo sobre grãos – CEG (Contribuição Especial de Grãos)
A Contribuição Especial de Grãos (CEG), instituída pelo Estado do Maranhão, é outro exemplo de jabuti derivado da Reforma Tributária. Criada com base no artigo 136 do ADCT, incluído na Emenda Constitucional nº 132/2023, a CEG autoriza a cobrança de 1,8% por tonelada sobre grãos como soja, milho, milheto e sorgo que circulam no estado.
A justificativa é financiar obras de infraestrutura e habitação, desde que já existisse contribuição similar antes de 30 de abril de 2023. No entanto, empresas alegam que o Maranhão não atendia esse requisito e que a cobrança desrespeita a imunidade tributária para produtos destinados à exportação. A CEG tem sido alvo de contestações no Judiciário por onerar excessivamente o agronegócio e criar entraves logísticos
Por que os jabutis surgem (e por que muitos não ficaram na Reforma Tributária)?
Em projetos de grande envergadura como a Reforma Tributária, é comum que parlamentares negociem a inclusão de dispositivos que atendam suas bases, setores econômicos ou interesses regionais.
Essas inserções geralmente têm três motivações:
- Pressão setorial
- Interesses políticos locais
- Compensações para aprovação
Por outro lado, muitos jabutis da reforma tributária acabaram sendo retirados do texto final, mesmo após serem propostos ou até aprovados em fases anteriores. Isso acontece por diversos motivos:
- Falta de relação temática com o texto principal;
- Repercussão negativa na imprensa ou na opinião pública;
- Acordos entre lideranças políticas;
- Análise técnica de órgãos.
Quer entender mais sobre os jabutis da reforma e como eles podem afetar o seu setor de atuação? Fale com os especialistas do Tax Group e tire todas as suas dúvidas.