Fim da Contribuição Previdenciária Patronal sobre o salário-maternidade
Aguardando julgamento desde 2008, o RE 576967, reconhecido em repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal naquele mesmo ano, finalmente teve um desfecho. No último 04 de agosto, a Corte analisou o caso fixando a tese de que “é inconstitucional a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário-maternidade”, decidindo o Tema de Repercussão Geral 72.
Considerado um benefício assegurado pela Lei Orgânica da Previdência desde a promulgação da Lei 6136/74, o salário-maternidade continuou onerando a folha de pagamento das empresas, pois apesar de ser um valor reembolsável através do desconto na contribuição previdenciária por elas devida, até a decisão do STF, ele sofria incidência de INSS e portanto compunha a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal.
Essa incidência sempre foi controvérsia, e mesmo após a criação do Regime Geral de Previdência Social, através da Lei nº 8.213/91, as discussões sobre o assunto apenas aumentaram. Isso se deve ao fato de que tal norma trouxe algumas contradições, a exemplo das previsões contidas nos artigos 18 (I, g) e 28 (parágrafo 9º, a). Enquanto o primeiro inclui o salário-maternidade como um benefício previdenciário, o segundo informa que, com exceção a ele, os benefícios da previdência social não integram o salário-de-contribuição.
Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:
I – quanto ao segurado:
[…]
g) salário-maternidade;
[…]
Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:
[…]
§ 2º O salário-maternidade é considerado salário-de-contribuição.
[…]
§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:
[…]
a) os benefícios da previdência social, nos termos e limites legais, salvo o salário-maternidade;
[…]
A finalidade desse benefício é a proteção à maternidade e à gestante. As Constituições de 1934 e 1937 já determinavam que a legislação do trabalho deveria prever essa proteção às mulheres, sem prejuízo de salário e com tempo de repouso antes e depois do parto. A CLT, em seu art. 393, atribuiu tais responsabilidades às empresas, conforme transcrição abaixo, onerando a mão de obra feminina:
Art. 392. É proibido o trabalho da mulher grávida no período de seis (6) semanas antes e seis semanas depois do parto
Art. 393 – Durante o período a que se refere o art. 392, a mulher terá direito ao salário integral e, quando variável, calculado de acordo com a média dos 6 (seis) últimos meses de trabalho, bem como os direitos e vantagens adquiridos, sendo-lhe ainda facultado reverter à função que anteriormente ocupava.
[…]
Proteger a maternidade é proteger o mercado de trabalho da mulher, o que em 1965 já era tema de debate internacional através da Convenção nº 103 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada no Brasil pelo Decreto nº 58820, o qual previu em seu art. 4º, item 8, que a empresa não deveria arcar com os custos do salário-maternidade:
Artigo IV
1. Quando uma mulher se ausentar de seu trabalho em virtude dos dispositivos do artigo três acima, ela tem direito a prestações em espécie e a assistência médica.
2. A percentagem das prestações em espécie será estipulada pela legislação nacional de maneira a serem suficientes para assegurar plenamente a subsistência da mulher e de seu filho em boas condições de higiene e segundo um padrão de vida apropriada.
[…]
4. As prestações em espécie e a assistência médica serão concedidas quer nos moldes de um sistema de seguro obrigatório quer mediante pagamento efetuados por fundos públicos, em ambos os casos serão concedidos de pleno direito a todas as mulheres que preencham as condições estipuladas.
[…]
8. Em hipótese alguma, deve o empregador ser tido como pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas às mulheres que ele emprega.
[…]
A fim de cumprir os compromissos internacionais assumidos, o Brasil criou, em 1974, a Lei Orgânica da Previdência, que assegurou a prestação do benefício do salário-maternidade. Este compromisso, contudo, veio a ser mantido posteriormente, em 1991, com a criação do Regime Geral da Previdência Social, o qual sustentou a empresa como responsável pelo repasse do valor do benefício à segurada, com incidência de contribuição patronal previdenciária, gerando assim um custo sobre o repasse.
Na Constituição de 1988, o salário-maternidade é considerado um direito social (Art. 6º), portanto deve ser garantido a toda sociedade. Em 1999, a Lei n° 9.876 estendeu o benefício do salário-maternidade também às contribuintes individuais e facultativas, situações nas quais as seguradas não possuem vínculo empregatício.
Logo, diante do exposto acima, fica evidenciado tratar-se de um benefício previdenciário.
Quanto à incidência de contribuição previdenciária, a própria Constituição Federal disciplina em seu art. 195 como a seguridade social será financiada:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro;
Portanto, a contribuição previdenciária incide sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício. Analisando o salário-maternidade, embora seja pago a uma pessoa física, como não há prestação de serviço ao empregador durante o período de licença, o valor não pode ser considerado como rendimento do trabalho.
O STF firmou a seguinte tese sobre o Tema 20 da Repercussão Geral — Alcance da expressão “folha de salários”, para fins de instituição de contribuição social sobre o total das remunerações:
Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 20 da repercussão geral, conheceu do recurso extraordinário e negou-lhe provimento, fixando a seguinte tese: “A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998”.
Portanto, como o salário-maternidade não corresponde a uma verba referente ao pagamento por uma atividade laboral da trabalhadora, não é habitual, não possui a característica de salário, e, portanto, não compõe a base de cálculo da contribuição patronal devida pelo empregador.
Na análise do RE 576967, a redação do voto do Ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo, foi estruturada através do desenvolvimento de argumentos em relação ao direito da mulher ao benefício do salário maternidade, a não inclusão do salário-maternidade na base de cálculo da contribuição previdenciária patronal e a violação da isonomia e discriminação da mulher no mercado de trabalho.
Para embasar a não inclusão do salário-maternidade na base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, Barroso afirmou que:
“A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998. (…) a contribuição deve incidir tão somente sobre as verbas oriundas diretamente da relação de trabalho e em virtude da atividade laboral desenvolvida pelo trabalhador, pagas com habitualidade pelo empregador”.
Outra premissa que serviu para fortalecer o embasamento do voto de Barroso foi a violação da isonomia e consequente discriminação da mulher no mercado de trabalho. Para tanto, o ministro citou em seu voto uma publicação do programa ONU Mulher, que consistia em um compilado de informações sobre o tema.
Os levantamentos trazem informações do Censo de 2010, segundo o qual 58% dos universitários brasileiros são mulheres, em contrapartida, a pesquisa da Bain & Company demonstra que apenas 2% dos cargos de presidência das maiores organizações do país são exercidos por mulheres, por fim, conforme dados do IBGE de 2014 às mulheres recebem em média 74,5% da remuneração paga aos homens.
Diante disso, Barroso declarou que:
“Por esse motivo, a desoneração da mão de obra feminina é medida que se impõe, uma vez que, no atual sistema previdenciário, as mulheres são as principais beneficiárias do salário-maternidade e são elas que ficam afastadas durante o período de licença, de modo que o empregador já se verá obrigado a contratar outro funcionário ou deslocar alguém para a função desenvolvida por ela na sua ausência. É necessário, portanto, que o Estado não imponha quaisquer ônus adicionais a uma situação que já é, por si só, mais cara ao empregador, que não pode sofrer o desestímulo estatal para a contratação de mão de obra feminina.”
Por fim, a decisão se deu, por maioria dos votos, pela fixação da tese de que “é inconstitucional a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário-maternidade”.
Ciente da enxurrada de solicitações de restituições ou compensações dos valores pagos indevidamente pelas empresas em referência à contribuição previdenciária patronal sobre o salário-maternidade, nos últimos cinco anos, a Receita Federal manifestou-se em nota informando que aguarda posicionamento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional sobre o tema.
Apesar de tal nota, é incontestável que a cobrança de contribuição previdenciária patronal sobre o salário-maternidade é inconstitucional, e portanto, não poderá mais ser realizada pela Receita Federal, desonerando assim o custo da contratação da mão de obra feminina, e quem sabe, amenizando a desigualdade entre os gêneros no mercado de trabalho.
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