A dedutibilidade das despesas com royalties pagos a beneficiários situados no exterior é assunto de extrema relevância para aquelas empresas que licenciam marcas, patentes e know-how de pessoas jurídicas estrangeiras. Até o ano de 2021 e, especialmente, 2022, a legislação brasileira impunha vários entraves. No entanto, as recentes alterações legislativas, que aproximam o Brasil das regras da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), trazem novidades que facilitarão a vida de quem paga royalties ao exterior.
Até o final de 2022, a lei aplicável à matéria obrigava o registro do contrato de licença de uso de marcas, patentes e outros direitos relativos à propriedade industrial no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e no Banco Central do Brasil (BCB) para que as remessas ao exterior na forma de royalties fossem permitidas e dedutíveis do Imposto de Renda. Tudo isso nos termos do artigo 74 da Lei nº 3.470/1958, artigos 9º e 12 da Lei nº 4.131/1962 e 71 da Lei nº 4.506/1964.
Além disso, a legislação tributária brasileira permitia a dedutibilidade das despesas com royalties até o limite máximo de 5% da receita bruta do produto fabricado ou vendido, nos termos das leis 3.470/1958 e 4.506/1964. Esse limite também foi estabelecido na Portaria nº 436/1958 do Ministério da Fazenda, que possibilitou deduzir entre 1% e 5% da receita gerada pela exploração de uma tecnologia licenciada em função do que for arquivado e de acordo com o grau de essencialidade da atividade.
Art. 74. Para os fins da determinação do lucro real das pessoas jurídicas como o define a legislação do imposto de renda, somente poderão ser deduzidas do lucro bruto a soma das quantias devidas a título de ” royalties ” pela exploração de marcas de indústria e de comércio e patentes de invenção, por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes até o limite máximo de 5% (cinco por cento) da receita bruta do produto fabricado ou vendido.
§ 1º. Serão estabelecidos e revistos periodicamente mediante ato do Ministro da Fazenda, os coeficientes percentuais admitidos para as deduções de que trata este artigo, considerados os tipos de produção ou atividades, reunidos em grupos, segundo o grau de essencialidade.
§ 2º. Poderão ser também deduzidas do lucro real, observadas as disposições deste artigo e do parágrafo anterior, as quotas destinadas à amortização do valor das patentes de invenção adquiridas e incorporadas ao ativo da pessoa jurídica.
§ 3º. A comprovação das despesas a que se refere este artigo será feita mediante contrato de cessão ou licença de uso da marca ou invento privilegiado, regularmente registrado no país, de acordo com as prescrições do Código da Propriedade Industrial (Decreto-lei nº 7.903, de 27 de agosto de 1945), ou de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, desde que efetivamente prestados tais serviços.
Art. 9º. As pessoas físicas e jurídicas que desejarem fazer transferências para o exterior a título de lucros, dividendos, juros, amortizações, royalties assistência técnica científica, administrativa e semelhantes, deverão submeter aos órgãos competentes da SUMOC e da Divisão do Imposto sobre a Renda, os contratos e documentos que forem considerados necessários para justificar a remessa.
§ 1º. As remessas para o exterior dependem do registro da empresa na SUMOC e de prova de pagamento do imposto de renda que for devido.[1]
Art. 12. As somas das quantias devidas a título de “royalties” pela exploração de patentes de invenção, ou uso da marcas de indústria e de comércio e por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, poderão ser deduzidas, nas declarações de renda, para o efeito do art. 37 do Decreto nº 47.373 de 07/12/1959, até o limite máximo de cinco por cento (5%) da receita bruta do produto fabricado ou vendido.
Art. 71º. A dedução de despesas com aluguéis ou “royalties” para efeito de apuração de rendimento líquido ou do lucro real sujeito ao imposto de renda, será admitida:
a) quando necessárias para que o contribuinte mantenha a posse, uso ou fruição do bem ou direito que produz o rendimento; e
b) se o aluguel não constituir aplicação de capital na aquisição do bem ou direito, nem distribuição disfarçada de lucros de pessoa jurídica.
Parágrafo único. Não são dedutíveis:
d) os “royalties” pagos a sócios ou dirigentes de empresas, e a seus parentes ou dependentes;
e) os “royalties” pelo uso de patentes de invenção, processos e fórmulas de fabricação ou pelo uso de marcas de indústria ou de comércio, quando:
1) Pagos pela filial no Brasil de empresa com sede no exterior, em benefício da sua matriz.
2) Pagos pela sociedade com sede no Brasil a pessoa com domicílio no exterior que mantenha, direta ou indiretamente, controle do seu capital com direito a voto;
f) os “royalties” pelo uso de patentes de invenção, processos e fórmulas de fabricação pagos ou creditados a beneficiário domiciliado no exterior:
1) Que não sejam objeto de contrato registrado na Superintendência da Moeda e do Crédito e que não estejam de acordo com o Código da Propriedade Industrial; ou
2) Cujos montantes excedam dos limites periodicamente fixados pelo Ministro da Fazenda para cada grupo de atividades ou produtos, segundo o grau de sua essencialidade e em conformidade com o que dispõe a legislação específica sobre remessa de valores para o exterior;
g) os “royalties” pelo uso de marcas de indústria e comércio pagos ou creditados a beneficiário domiciliado no exterior:
1) Que não sejam objeto de contrato registrado na Superintendência da Moeda e do Crédito e que não estejam de acordo com o Código da Propriedade Industrial; ou
2) Cujos montantes excedam dos limites periodicamente fixados pelo Ministro da Fazenda para cada grupo de atividades ou produtos, segundo o grau de sua essencialidade e em conformidade com o que dispõe a legislação específica sobre remessa de valores para o exterior;
Em suma, até o final de 2022, os royalties pagos pelas empresas brasileiras eram considerados não dedutíveis nos seguintes casos: (i) royalties que não representassem despesa necessária para que o contribuinte mantenha a posse, o uso ou o gozo do bem ou direito gerador da renda; (ii) royalties pagos a sócios ou a diretores de empresas, e seus parentes ou dependentes; (iii) royalties pagos à sua holding; (iv) royalties pagos sem contrato registrado no INPI e, no caso de beneficiários no exterior, com o BCB; e (v) royalties que excedessem 5% da receita bruta do produto correspondente.
Em 30 de dezembro de 2021, foi publicada a Lei nº 14.286/2021, com entrada em vigor em 30 de dezembro de 2022. Entre as mudanças introduzidas, estão as de regras fundamentais sobre remessas de royalties para o exterior e o registro do contrato de licença no INPI e no BCB.
Resumidamente, a legislação revogou a obrigatoriedade de registro do contrato de propriedade industrial no INPI e no BCB (assim como revogou o artigo 9º da Lei nº 4131/1962) para autorização de remessas de royalties para o exterior, estabelecendo que tais remessas dependeriam apenas da comprovação do pagamento, no Brasil, do imposto de renda retido na fonte.
Portanto, a remessa de pagamentos e royalties estabelecidos em contratos de propriedade industrial passou a ser autorizada independentemente de seu registro no INPI e no BCB, permanecendo o registro no INPI apenas como condição para que a despesa fosse deduzida do Imposto de Renda.
É importante afirmar que a nova lei também revogou a limitação do valor dos royalties que podem ser remetidos ao exterior em operações entre controlada e controladora, prevista no artigo 14 da Lei nº 4.131/1962, combinado com o parágrafo único do artigo 50 da Lei n.º 8.383/1991. Antes da entrada em vigor da Lei nº 14.286/2021, eram vedadas as remessas para o estrangeiro entre filiais e a sua sede estrangeira em montantes superiores ao limite de dedutibilidade para efeitos de imposto sobre o rendimento, estabelecido pela Portaria nº 436/1958 do Ministério das Finanças.
Assim, as partes contratuais, mesmo que relacionadas, passam a ser livres para negociar o percentual de royalties e pagamentos que desejarem (que pode, portanto, ser superior ao limite máximo de 5% previsto na Portaria de 1958).
Em 28 de dezembro de 2022, o governo federal editou a Medida Provisória nº 1.152/2022, que reforma as regras de preços de transferência para aproximar a legislação tributária brasileira da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essas alterações desburocratizaram as remessas de royalties ao exterior a partir da redução de exigências legais.
Por um lado, as condições que antes existiam, incluindo o limite máximo de 5% (cinco por cento) da receita bruta do produto fabricado ou vendido e o registro no INPI e no BCB, deixam de serem exigidas a partir de 1º de janeiro de 2024 ou, opcionalmente, 1º de janeiro de 2023, tendo em vista que o artigo 47 da Medida Provisória nº 1152/2022 revoga o artigo 74 da Lei nº 3470/1958, os artigos 12 e 13 da Lei nº 4131/1962 e o artigo 71, parágrafo único, incisos “d” a “g”, da Lei nº 4506/1964.
Em contrapartida, o artigo 45 da Medida Provisória nº 1.152/2022 prevê que são indedutíveis os royalties pagos a beneficiários situados em países com tributação favorecida ou em regimes fiscais privilegiados e a partes relacionadas quando a dedução resultar em dupla não tributação.
Assim, regra geral, os royalties pagos a beneficiários independentes situados no exterior, à exceção de países com tributação favorecida e de regimes fiscais privilegiados, são integralmente dedutíveis do Imposto de Renda.
Por fim, é importante que se diga que a Medida Provisória nº 1.152/2022 entrou em vigor em 1º de janeiro de 2023 para as pessoas jurídicas que optarem por aplicar as novas regras de preços de transferência. Nessas situações, os limites de dedutibilidade da Portaria nº 436/1958 deixarão de se aplicar este ano em curso. Para as demais empresas, a revogação dos limites só ocorrerá em 1º de janeiro de 2024, quando a aplicação das novas regras relacionadas aos preços de transferência se tornará obrigatória.
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